Como uma terceira guerra mundial pode impactar os negócios no Brasil?

A escalada dos conflitos militares em nível mundial está assustando muitos brasileiros. O que pode acontecer com a nossa economia? Afinal, como uma terceira guerra mundial pode impactar os negócios no Brasil?

Inicialmente, é importante compreender que guerras militares também envolvem guerras comerciais. Olhe para o cenário russo em seu conflito com a Ucrânia: a Rússia está sofrendo diversos embargos do mundo ocidental, tanto em relação à sua participação no mercado financeiro internacional quanto à exportação e importação de produtos e serviços. Porém, esse isolamento ocidental aproximou o país de um eixo de países que salvaguardaram sua interação comercial, tais como China, Índia e outros países asiáticos. O exemplo a ser percebido aqui é o de que a economia russa não parou.

Então, vamos ao nosso primeiro ponto: É importante um país possuir aliados comerciais, principalmente em tempos de guerra.

O Brasil provavelmente não irá se alinhar automaticamente a qualquer grupo em um primeiro momento de um possível conflito. Não temos forças armadas com diferenciais realmente importantes para um conflito militar, já que desde a guerra do Paraguai, finalizada em 1870, não somos um agente propositivo de conflitos. Participamos da segunda guerra a partir de agosto de 1942, 3 anos após o início do conflito, em batalhas onde atuamos ao lado dos aliados. Essa atuação foi potencializada por um acordo com os Estados Unidos da América viabilizado principalmente pela absorção da dívida externa brasileira pelo país, antes tendo os ingleses como principais credores. A mudança no perfil da dívida impulsionou nossa economia, com o preço do alinhamento militar.

Se o Brasil não irá se alinhar com qualquer eixo militar em um primeiro momento, temos uma vantagem estratégica: é possível negociar com todos os lados de um conflito. Obviamente essa não será uma situação definitiva, mas sua transitoriedade pode repetir alguns benefícios para o país. Veja o exemplo da segunda guerra mundial:

  • Redução significativa do serviço da dívida externa: a renegociação com os americanos reduziu em 50% os valores pagos anualmente para amortização da dívida
  • Aumento das exportações: se a venda de café para a Europa diminuiu, a exportação de borracha e minérios aumentou exponencialmente
  • Com uma balança comercial mais favorável, o Brasil começou inclusive a pagar antecipadamente dívidas em processos vantajosos de renegociação. A guerra foi fundamental para o equilíbrio das contas públicas

O Brasil é uma grande potência do agronegócio, sendo que somos bastante boicotados por legislações protecionistas europeias. Em um cenário de guerra caem essas barreiras, sendo que o Brasil pode se tornar dominante no mercado internacional. Explico: guerras geram inflação, geram alta pressão sobre os preços. Para que países em conflito mantenham alimentos na mesa da população a preços razoáveis, é fundamental a abertura das importações. Ainda temos a questão mineral, processos de produção militar, insumos para guerra e subsistência, sendo que a própria indústria têxtil, já sucateada no Brasil, precisará ressurgir para exportar. O Brasil pode estratificar assim sua cadeia produtiva e a diversificar, reestruturado modelos já decadentes no país, de forma a fornecer potenciais soluções que o mundo irá demandar.

Segundo ponto: retrocesso nas importações e no fornecimento de soluções

Países em guerra modificam sua base produtiva para uma economia de guerra. Na segunda guerra a Mercedes, fábrica de carros, produzia tanques de guerra Panzer em solo alemão. Dentro desse singelo exemplo já é possível deduzir que as importações em geral tendem a diminuir. É importante salientar que a segunda guerra mundial foi um marco para a diversificação da indústria nacional, sendo que o mesmo processo pode se iniciar em um terceiro conflito militar a nível global.

Ainda assim, precisaremos de insumos que o exterior não poderá nos fornecer, já que as economias globais estarão voltadas para o conflito militar. O Brasil participa de uma cadeia global e necessita de insumos tecnológicos internacionais. Os setores de alta tecnologia do país sofrerão com a escassez de materiais, peças para produção ou reposição, assim como demais hardwares e softwares. A internet mundial pode sofrer graves oscilações, sendo recomendados o backup e a gestão de inteligência das empresas de forma local em servidores próprios.

Uma questão chave para sua análise: existem outros fornecedores para seus insumos importados? Mapeie oportunidades em outros países e continentes, assim como rasteie o mercado nacional. Mesmo que você encontre fornecedores mais caros, eles podem ser uma excelente saída para o caso de uma interrupção abrupta em sua cadeia. Compre pequenas quantidades desses novos fornecedores, teste sua qualidade. É fundamental um plano B, assim como um C e D são recomendáveis.

E lembre: simplificar produtos e serviços locais pode ser uma estratégia valiosa em tempos de guerra.

Terceiro ponto: Mudanças na atuação do Estado

A escalada de um conflito global exige mudanças. E uma delas é a autorização de exploração de grandes recursos naturais, diminuindo o protecionismo ambiental. As maiores reservas desses recursos estão sob terras hoje intocáveis, como grandes extensões consideradas como territórios indígenas. O Brasil é um grande importador de insumos básicos agrícolas simplesmente porque não pode explorá-los em solo nacional.

Outro exemplo é a Guiana, que desde 2015 explora petróleo de alta qualidade em seu litoral. Apenas suas jazidas correspondem a 75% das reservas brasileiras. Agora o detalhe relevante: o Brasil poderia estar explorando também jazidas de alto valor na região norte de seu litoral, mas restrições legais travaram esse processo devido ao impacto ambiental.

O Brasil possui recursos abundantes para se tornar autossustentável em seus insumos básicos, independente de importações. E em um cenário de conflito o país será impulsionado a rever seu posicionamento ideológico e se tornar mais pragmático na exploração de seus recursos, identificando oportunidades de ganhos potenciais diante dos impactos sociais e ambientais, visando os benefícios para a maioria da população do país. O foco deve ser o abastecimento das necessidades básicas de nossa população e de negócios de baixa complexidade tecnológica, o que compreende a maioria dos negócios nacionais, responsáveis por uma ampla gama da mão-de-obra disponível.

Visualizando opções, já temos uma legislação pouquíssimo aplicada para solução de problemas produtivos para exportação a baixo custo: A Lei de Execução Penal, de 1984, estipula o trabalho obrigatório por parte dos presidiários do país. Empresas de todos os segmentos poderiam explorar essa mão-de-obra, com custo de ¾ de um salário-mínimo e sem encargos trabalhistas por indivíduo. Quando publiquei um artigo a esse respeito, “Trabalho Prisional: Responsabilidade Social e Vantagem Competitiva” fui criticado como defensor da volta da escravatura no Brasil por professores de viés ideológico anticapitalista. Mas minha intenção era justamente manter a indústria têxtil em território brasileiro, sendo que hoje compramos basicamente roupas produzida em países asiáticos.

Em um cenário de conflito global é fundamental uma visão pragmática por parte dos governantes. Será preciso fomentar a reindustrialização, desenvolver uma logística eficaz e renunciar a opções ideológicas.

Riscos inerentes a um Conflito Global

Até esse momento o leitor pode ter tido a impressão de que este autor é positivo em relação às oportunidades advindas de um conflito global. Não sou.

É importante desenhar modelos e acalmar os ânimos. Economicamente, historicamente, pode ser tratar de uma oportunidade. Mas a que preço? É absurdo em uma sociedade moderna a resolução de diferenças ideológicas e de estruturas de influência sendo resolvidas via violência. São populações inteiras dizimadas, países arruinados. Milhões de vidas que se perdem pelo capricho de governantes.

E, se no cenário da segunda guerra mundial, tivemos benefícios, o mesmo pode não se reproduzir hoje. Agora, em 2024, temos um governo ideológico, alinhado com ditadores do mundo todo. Não é impensável que o Brasil rompa sua postura isenta para se alinhar a algum dos eixos, nos tornando inimigos de outro. Estando alinhados, somos um alvo. E como já mencionei, nossas forças armadas não serão capazes de proteger nosso país em caso de um conflito. Podemos voltar a nos tornar uma colônia de algum dos eixos interessados em nossos recursos naturais, caríssimos para uma economia de guerra.

Ainda convivemos com o risco de as potências militares utilizarem seu armamento nuclear, o que pode escalar até o que se chama “inverno nuclear”, que constitui na absorção atmosférica dos resíduos de tais ataques, o que teoricamente bloquearia os raios solares de a transpassarem. Nesse cenário não existiria qualquer lugar do mundo que passaria incólume, já que a atmosfera global mudaria. Sem sol estaríamos fadados a um processo de extinção superior a 75% da população global.

Portanto, vamos aos pontos principais:

  • Um conflito global não irá arrasar a economia brasileira, desde que o país se mantenha neutro.
  • Mudanças devem ser feitas em nossa legislação e na atuação do Governo, de forma a possibilitar a utilização de recursos para autossuficiência básica
  • As empresas devem possuir redundâncias em suas informações online e sistemas, assim como backups locais. O risco de oscilações ou interrupções no fornecimento de dados online é alto.
  • Prospecte e teste novos fornecedores. Esteja preparado para uma interrupção abrupta em sua cadeia de fornecimento.
  • Prepare sua fábrica para falta de peças e equipamentos. Solicite aos seus projetistas opções mais rústicas como plano de contingência em caso de falta de insumos tecnológicos importados.
  • Em caso de escalada nuclear, esqueça a economia global. Retrocederemos amplamente em nossa capacidade tecnológica. Caso a teoria do inverno nuclear não se consolide, estaremos isolados e com pouca capacidade tecnológica. Esqueça as IAs e os processos online. Esqueça maquinários avançados, não teremos peças de reposição para ampla maioria deles. Na primeira bomba nuclear utilizada, já se prepare para viver como seus antepassados.

Um adendo: é importante sempre criar planos de contingência e analisar cenários. Quando a epidemia de Covid surgiu na China eu estava prestando consultoria para uma grande fornecedora de softwares e suporte com equipe local. Reunimos especialistas e preparamos o plano de migração para o trabalho remoto, sendo que quando a epidemia chegou ao Brasil a equipe migrou para esse modelo sem maiores transtornos. Se esse plano de contingência não tivesse sido elaborado nos primeiros sinais de problemas, as operações teriam parado por dias e o fornecimento de serviços aos clientes interrompido.

Em 2011 publiquei um artigo dizendo que o Brasil caminhava para uma recessão, momento em que fui amplamente atacado por “especialistas”. Em 2023 publiquei artigo semelhante diante do novo cenário brasileiro. E agora publico esse artigo sobre potenciais impactos e práticas de gestão em um mundo em conflito bélico. Obviamente, existem lacunas nessa análise. Não é possível abrir todos as possibilidades de maneira generalista em um artigo. Mas existem pontos realmente caros para sua análise aqui.

Preparação é fundamental na gestão de qualquer negócio. Existem riscos crescentes, faça seu plano de contingência para cada um deles. Quando você está preparado, as crises podem se reverter em excelentes oportunidades.

Recomendo a reflexão e o início do seu plano de contingência hoje mesmo.

Até a próxima.

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